quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

NOSSA VIDA É UM CARNAVAL


Denise teve uma dolorosa e difícil separação há menos de seis meses; Marcos ainda não completou um ano de luto da morte da mãe; Guilherme e Maíra estão desempregados há quase um ano e sobrevivem de favores e trabalhos temporários; Tânia trabalha 60 horas por semana, mal vê os filhos e tem certeza que o marido a trai constantemente. O que todos eles têm em comum além das dores passadas, presentes e futuras? Denise acordou cedo, vestiu fantasia de bruxa, adornou os dois filhos de anjinhos; Marcos transformou-se em mulher e juntou-se a um grupo de amigos; Guilherme e Maira, sem fantasia, sem dinheiro, partiram a pé animados com os cinco filhos e Tânia, com toda pompa, com trajes de princesa árabe foi para o camarote mais caro, todos foram brincar o carnaval, todos estão no galo da madrugada.
Provavelmente os pouquíssimos leitores deste espaço deverão estar indignados, afinal, como aceitar que algumas pessoas saiam de suas casas para cair na folia de momo se elas não têm nem mesmo algum motivo para sorrir?
      Observando de um plano mais geral é totalmente insano e absurdo que num país com mais de 40 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, índices de assassinatos em ritmo de grandes guerras, tantas carências, mazelas governamentais e insensatez corporativa privada, uma nação ouse separar um espaço para grandes festas, boa parte delas patrocinada pelo poder público. Afinal, não obstante a clareza do surreal que é este momento de carnaval, principalmente no nosso país, o que o justifica, porque ele ocorre?
Eu creio que para responder as indagações acima temos lançar reflexões no nosso dia a dia. Vamos pensar, será difícil encontrar pessoas que todos os dias carregam tantos ou mais desgostos da vida quanto ás pessoas citadas acima, contudo, seja em razão do trabalho, para preservar a família, para dar forças aos filhos ou amigos, ou ainda apenas para se inserir e manter status quo simula e modifica a expressão dos seus sentimentos? Eu creio que a resposta é não, não é difícil. Boa parte das pessoas, desde momento que acordam, vestem a fantasia, sem brilho, sem glamour, sem prêmio do júri. Estes seres sorriem, ficam bravos, até choram ou demonstram euforia simplesmente porque precisam disso para sobreviver, não porque sentem. E durante todo dia, ao carregar o fardo desta fantasia perene, não se ouve os sons dos clarins, nem tambores para dá o ritmo, leveza e alegria a jornada, há apenas o som mudo da vida.

      Vamos mais longe, o próprio ser humano como tal, estuda, trabalha, faz política, cria religiões, partidos políticos, regras, leis, moral e tudo pra que fim? Para morrer. Ou melhor, para distrair-se e esquecer-se da própria mortalidade o ser humano inventa milhões de problemas, alguns reais e outros apenas criados artificialmente. Num truque burlesco vive pensando numa vida eterna, nada mais que um artifício para não encarar a própria finitude. Mas outra música de carnaval nos diz “Roda, roda e avisa que a vida é um sonho que vai terminar...”
E o folião, ao contrário de nós na nossa fantasia do dia a dia, não se ilude, ele sabe que está vivendo um “sonho feliz” de poucos dias que logo vai acabar. Talvez isto explique porque boa parte das antigas marchas de carnaval falava de saudade, de dor e do fim, porque enquanto pulam e sambam, eles sabem que a dura realidade os espera. “Vê, turbilhão desta vida passar. Vê, os delírios dos gritos de amor. Nessa orgia de som e de dor”.

O fantasiado que vive depois do carnaval, é tão louco que às vezes acredita que vive mesmo uma realidade.

Diante de tudo isso, vistam-se, vão às ruas, clubes, bares, ladeiras correndo atrás do bloco ou até mesmo do trio elétrico, enlouqueçam, mas ao menos neste período, cônscios da loucura, cientes que a alegria tem data marcada para acabar, numa lucidez rara que bem poderia ser aplicada no tétrico carnaval diário.
Vamos brincar sim, pois como dizia Getúlio Cavalcanti ás vezes brincar carnaval é a única coisa que faz da vida de muitos, algo singular e especial

“Não deixem não, que o bloco campeão, guarde no peito a dor de não cantar. Um bloco a mais é um sonho que se faz o pastoril da vida singular.”

E viva ao carnaval!

Letras de Músicas:
Turbilhão:
https://www.letras.mus.br/moacyr-franco/487500/

Roda e Avisa:
https://www.letras.mus.br/alceu-valenca/1318259/

Ùltimo Regresso:

By - Adriano Cabral

16 comentários:

  1. E assim mais um carnaval se foi... Saem os brilhos, caem às fantasias, restam apenas alguns ‘confetes e serpentinas’ pelos cantos das ruas. Alguns teimam em continuar vestindo àquela fantasia de papel crepom, mas não sabe, ou até sabe, que logo mais a chuva virá lavar os vestígios de folia e junto desmanchará sua veste de carnaval, mostrando então a sua do dia-a-dia.

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  2. E não é mesmo escondendo a dor que a gente brinca. Pois bem! Há de se brincar...

    bj

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  3. humm tem até esse tipo de gente Mari que nem esconde a dor mas...brinca, e finalmente você me dá a honra de tê-la aqui.
    bjos.

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  4. Oi, Adriano, sou eu Angela. Às vezes, a gente não esconde a dor, mas simplesmente a aceita (por mais profunda e marcante que ela seja) para poder seguir adiante, apesar dos pesares.
    Beijos.

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  5. Não vi nada muito bom pra falar neste carnaval, logo lembrei deste texto que ACHO que MERECE ser lido. Julguem vocês.

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  6. Para variar esse é mais um belo texto.
    Uma parte que me chamou bastante atenção, foi: “O fantasiado que vive depois do carnaval, é tão louco que às vezes acredita que vive mesmo uma realidade.” Sobre esta questão... É fácil notar a existência de pessoas que ao utilizarem por tanto tempo uma máscara ou fantasia, já não sabem mais quem são. Ou não tem a coragem de se revelar para si mesmos. Parece loucura, mas para alguns é mais fácil viver em um mundo criado pela sua imaginação do que verem a dura realidade. Afinal, a vida é dura. (Acho que já ouvi essa frase de alguém rsrs). Beijos.

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  7. Há momentos de tristeza, mas há também os de alegria.
    E assim a gente segue..
    Nos iludindo ou não, não deixemos que as infelicidades da vida nos derrubem.
    Adorei o texto!
    Realmente, nós somos muito parecidos, pensamos quase da mesma forma! ;)

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  8. Criar máscaras para vestirmo-nos com elas... Nossa,que legal! A sociedade se baseia nisso,né?

    O que acho mais interessante é a tranferência passiva dessas máscaras: nossas mães e pais nos passam a máscara da ignorância,uma máscara da normalidade,na verdade... Crescemos e não nos preguntamos: Por que como chocolate? Por que compro microondas? Por que minha câmera fotográfica quebrou tão rápido? Por que existe carnaval?

    Falando assim,parece mais um discurso bonito... Mas foi nisso mesmo que tranformaram a verdade:apenas mais um discurso bonito,pois estamos tão conformados que a possibilidade de mudança foi anulada de nossas cabeças!

    Não sei... O divertimento do carnaval é vazio.Pelo menos a mim,não me dá satisfação ver tanta gente escrava numa felicidade fingida,usando máscaras físicas e metafóricas...

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  9. Belo texto, bela crítica.
    A pura realidade. Também acredito que muitos se encondem da realidade, atrás das máscaras de carnaval, acreditando que esse sonho de belas fantasias e de alegria, um dia se torne realidade.
    Muito belo texto.

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  10. Todo ser humano precisa de esperanças. Esperanças para poder caminhar, para poder enfrentar o dia a dia e até para poder sorrir. O carnaval é uma festa de poucos dias que traz uma felicidade momentanea, similar a uma esperança, de viver aquela eterna festa, de sorrir sempre, esquecer os problemas. Melhor do que ficar em casa lamentando, é se levantar e entrar em outro mundo. Devemos entrar sim, como vc disse no texto, mesmo sabendo que dura pouco a felicidade. Nem tudo são flores, mas o mundo não pode ser e não é um eterno espinho.
    SMACK :D

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  11. E o que seria da vida se não houvessem sonhos para nos motivar a viver e alcançar? Cada um cria os seus, possíveis ou impossíveis.. E é incrivel como os impossíveis parecem nos motivar mais..
    No interior da alma, por trás das mascaras de sorrisos escondem seus verdadeiros eus.. E essa é a regra para que a sociedade funcione. Um tipo de "lubrificante social".. E assim, continuamos vivendo a nossa própria fantasia, até chegar o próximo carnaval.

    =D

    O meu foi ótimo por sinal.. Sem sinal de celular, internet ou televisão.. no meio do mato, acampada, ao som de passarinhos e grilos.. =D

    =**

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  12. Hei,bem bacana o texto, boa critica.
    E o blog caminhando bem heim!
    bjão

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  13. "Falando assim,parece mais um discurso bonito... Mas foi nisso mesmo que tranformaram a verdade:apenas mais um discurso bonito,pois estamos tão conformados que a possibilidade de mudança foi anulada de nossas cabeças!"

    Pois eu não me conformarei não importa quantas vezes me digam que a vida dura,a vida é o que fazemos delas, ouvimos tantas vezes que a vida é o que é que chegamos a acreditar nessa bobagem >_<... e assim vamos descartando nossos sonnhos e ideiais.. a vida pode ser dura mas é minha,e eu moldo ela da minha maneira..
    ^_^

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  14. Nat-san,

    Eu adoro ver pessoas assim, como eu, que não se conformam. Minha mãe é que não gosta de eu ser assim. Por não me conformar, acabo sobrecarregada de problemas meus e dos outros. Mas eu fico tão feliz em poder mudar qualquer coisinha que seja, sabe? Principalmente quando sou compreendida.

    Saudações ribeirinhas! =)

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  15. Que tal, fazermos da nossa vida real um sonho?
    após o carnaval só sobra a ressaca! hehe

    Excelente texto Adriano!
    parabéns! rsr

    Rodrigo - SP

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  16. Acredito que o carnaval é o único momento em que deixamos a nossa mascarar cair e somos felizes com nosso "eu", achei o texto extremamente reflexivo e inspirador!

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