quarta-feira, 30 de setembro de 2009

CREPÚSCULO DOS DEUSES



Piedade após agonizar anos numa longa peregrinação cheia de hospitais, dor, esperança e desalento morreu em maio. Há um ano seu José, sertanejo, um forte, foi arrancado da vida literalmente, um choque. Elisa tinha apenas 18 anos quando sua cabeça começou a doer, duras horas depois ela estava morta. Ontem a boa professora Gilda morreu num violento infarto fulminante. Em algum lugar duas pessoas que pareciam ser eternas juntas se separaram da forma mais estúpida possível, assassinando dois seres em vida, o chamado crime perfeito que deixa suspeitos.
É a primeira vez que meus anos se passam e estou com essa espaçosinho ora pretencioso, ora "grandioso" mas que na verdade tem sido uma das poucas fontes de prazer que tenho tido nos últimos meses. Nesses momentos acho que é inevitável uma reflexão sobre o que foi sua vida, o que ela tem sido, e pra onde ela poderá ir afinal. O poderá é muito forte, afinal, a vida presente dado sem perguntas é retirada com a mesma cerimônia, nenhuma. E no limiar da jornada da existência eu tenho aproveitado a minha vida?
Bem, a primeira coisa que notei que o termo "aproveitar a vida" tem sido uma espécie de "maldição" modista, porque, dependendo da sua idade e condições financeiras já "determinam" como sua vida deve ser aproveitada. Se você é muito jovem tem que se perder em baladas, tem que ter muitas "experiências" nas ficadas, depois no meio da existência, tem que se enfurnar no trabalho, "vencer na vida", ser "valorizado" pelo que você pode ganhar e finalmente, quando você envelhece, aí sim, talvez você possa ser um ser humano que dá atenção aos amigos, parentes e seus amores. Mas peraí, nessa altura da vida a maioria sumiu ou morreu e de repente você se encontra só recebendo a visita piedosa de quem restou.
Eu definitivamente não acho que aproveitar a vida é se perder em festas e farras, pra mim, basta ir onde há pessoas que você gosta ou até ficar em casa batendo um papo. Que ninguém precisa da "experiência" de se agarrar com tantas pessoas se é possível abraçar e beijar alguém que pode ser o único amor de sua vida.
Eu definitivamente acho que não é aproveitar a vida você se perder no trabalho ignorando, filhos, maridos, esposas, só para ostentar uma enorme conta bancária e algumas pontes, não que ligam, mas safenas dentro do seu coração. Tenho mais firme certeza que aproveitar a vida é fazer o trabalho que gosta com o único fim de ter qualidade de vida e ter mais tempo para os entes queridos.

Enfim, sou um ser sem grandes ambições, gosto muito das pessoas e valorizo tão pouco coisas. Tenho um dom terrível que é a ótima memória e isso me impede de esquecer com facilidade as dores da vida ou as pessoas que passam e não voltam mais.

Passamos a maior parte da vida fugindo da morte, não falamos, não refletimos, não tentamos muito entender  e cada vez que ela chega, parece uma grande surpresa. "Ah ela só valorizou fulano depois que perdeu". Grandes casais e amigos se separam às vezes por coisas casuais ou por quase  nada, não tem noção do que é perder definitivamente laços afetivos tão importantes e arduamente construídos.

Por isso, lembrando do finado menestrel Renato Russo, posso dizer que quero de agora em diante aproveitar a vida...
Pois digam o que disseram, minha mãe e minha família esperam por mim....
Meus verdadeiros amigos, esses são muito poucos, por isso tão valiosos, também estão lá, esperando por mim...
E agora meu filho também espera por mim....
E tenho certeza que alguém do passado, ou do futuro...também espera por mim...

E se a vida passa e tudo acaba, vou fazer cada dia uma eternidade, vou fazer da vida finita o para sempre, pois vou viver intensamente cada dia, vou continuar vivendo lutando mais ainda para conquistar novos mundos e manter a todo custo os que já possuo,  e só vou descançar  quando for arrancado da vida, também.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A ESPERA



Nasrudrjin era um homem muito rico que repentinamente se viu quase pobre por não ser hábil nos negócios, teve que mudar para uma região mais humilde na periferia de Jerusalém. Ele se tornou muito rígido em cumprir as leis divinas. Mas diante do fracasso, não teve mais ânimo pra lutar de novo, e vivia agora em sua casa fingindo que tentava arranjar trabalho. Sorria para os amigos, gabava-se do passado e amaldiçoava os ricos. Resignou-se àquela vida, ficou esperando alguma coisa vir, um dia bancaria sua família novamente, que tivessem paciência! Bradava ele. Gritava com todo mundo, mas na hora de amar sua mulher e filhos, amava em silêncio...

Balla Cumaína era sua esposa. Desde a falência da família sustentava toda a casa vendendo especiarias aos homens brancos que vinham de longe. Casou com seu marido por amor, teve que romper com sua família de origem judia para ficar junto de seu grande amado. Contudo, o homem que ela admirava tornara-se um monstro. Sempre duro, só pensava em negócios seu marido, nenhum carinho nem afeto, nem para ela nem para os seus quatro filhos. Por vezes, mais constantemente depois da bancarrota, seu esposo batia nela. E já se passaram 30 anos de suplício, período este em que várias vezes pensou em sair de casa. Mas primeiro precisou esperar para ver se ele mudava, não mudou, depois, precisou ver os filhos crescidos, crescidos já estavam, mesmo assim não largou do marido, alegava a respeitável dona Balla Cumaína que tinha pena dele, esperaria que ele se acertasse financeiramente na vida a fim de que ela finalmente pudesse deixá-lo vivendo só, mas não na miséria absoluta. A Senhora Nasrudrjin também tinha paciência, esperaria algo acontecer. Enquanto isso ficava em silêncio...

Faiarrála e Ludibinara eram as filhas do casal acima. Todas muito religiosas e sempre fingindo não ver nem sentir as intermináveis brigas dos pais. Ambas eram infelizes, choravam cada uma escondida em suas tendas. Na verdade nem fé verdadeira possuíam, mas jamais se insurgiam. Muitas vezes pensaram em fugir com alguns dos belos mercadores brancos que compravam na tenda de sua mãe. Mas tinham medo. Esperariam o dia em que teriam coragem para romper com seus pais e aquele mundo tão fechado dentro de si mesmo. Não queriam viver daquele jeito, tinham certeza. Mas aquele mundo era tão restrito que nem elas mesmas sabiam como realmente queriam viver. Esperavam um sinal para decidirem seus destinos, aprenderam a vida toda a obedecer, enquanto isso permaneciam em silêncio...

Abdul Absála era o irmão mais velho das meninas acima. Desde jovem resolvera ser ermitão e pregar no deserto. Não dava importância às coisas materiais nem tão pouco da alma. Dizia ter pena de sua família, lamentava o fato deles viverem isolados naquele mundo tão restrito, havia muito mais do que ganhar o pão com o suor de seus rostos ou orar a deuses invisíveis. (um humanista o abdul) queria viver, gozar da vida assim com fazem os pássaros e as andorinhas. Queria muito ver o mar, mas jamais trabalhou, mesmo quando teve chance, e nunca tinha dinheiro, mas esperava um dia conseguir ver e viver no mar. Ele esperava alguma coisa enquanto isso, no meio do deserto, estava em silêncio...

Nasirajsdrin era o filho mais moço. Estudou com os sacerdotes as leis e a magia. Era o único que realmente parecia não se conformar com tudo aquilo. Por isso, sofria muito ao proteger a sua pobre mãe quando ocorria as intermináveis brigas. Sofria por seus irmãos, por toda a sua família que aceitava tudo como uma fatalidade do destino, que esperavam alguma coisa acontecer, nesta vida ou talvez noutra, como acreditavam os pagãos da Índia. Apesar de tê-la estudado a religião e os costumes, ele não se curvava a nada daquilo. Vivia sua vida, e já ganhava um bom dinheiro para alguém de sua idade vendendo e comprando camelos. Lia muito, era um sonhador. Sonhava em encontrar o amor de sua vida. Jamais se casaria por dote. E sim por amor. Passaram muitas mulheres na sua vida, mas nenhuma ele amara. Quando isso o acontecesse faria tudo por ela.

Até que um dia apareceu por lá a bela Fatira. E ao olhar nos seus olhos cor de mel Nasirajsdrin sentiu que era ela a dona de sua alma. E ela sentiu o mesmo. E os dois se amaram nas areias do deserto e caminharam de mãos dadas pelo oásis de Aljara Farral. Contudo, a família dela era nômade, beduínos que viviam viajando no deserto infinito. Logo seus pais se voltaram contra aquele amor. Não se via com bons olhos aqueles andarilhos sem raízes. Logo a família dela foi contra aquele amor, não gostavam daquele rapaz sonhador. O pai de Nasirajsdrin o amaldiçoou, sua mãe chorou, batendo nos peitos e arrancando os cabelos em grande aflição e disse que realmente era infeliz (isso deixou o pobre rapaz com o coração partido), sua irmãs apoiaram os pais, como não podia deixar de acontecer. E ele, ficou só, pois aprendera que não deveria se dar a seres estranhos da família, ele não tinha amigos com quem compartilhar suas dores mais íntimas, havia apenas os camelos.

Ao final do embate interior, mesmo depois de ter prometido atravessar o nebuloso Saara com sua amada ele pediu para que ela seguisse seu caminho nas areias frias do deserto sem ele, disse isso com lágrimas nos olhos que caíram abundantes e antes mesmo de tocarem o solo arenoso subiam para céu. Era ela quem tanto ele esperou, mas não podia largar tudo agora, já tinha feito muito para alguém da sua idade, mas havia muito a fazer e teria muito tempo para encontrar um novo amor ou quem sabe, reencontrá-la... Ao acaso... Com um dos seus camelos ela se foi.

Ele viveu sua vida esperando sua mãe se livrar de seu pai que a maltratava, esperando suas irmãs serem felizes, esperando seu irmão alcançar o mar. Esperando encontrar um outro amor, e dessa vez faria de tudo por ele, até fazer chorar sua mãe se preciso fosse. Ele esperava, pois sabia que o tempo tudo dá e tudo tira. Ele esperava alguma coisa acontecer. Enquanto isso, como um poderoso mago, fazia chover dolorosamente no deserto, pois antes de tudo, ele aprendera também a chorar em silêncio...



Adriano Cabral.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Patrick Swayze & Ghost

Patrick Swayze é um daqueles famosos atores limitadíssimo no campo da interpretação mas excessivamente carismático e bonito, logo tornou-se um sucesso. E, como todo mundo que chega ao estrelato tendo como principal suporte os atributos físicos, seu brilho foi efêmero, afinal, a juventude não dura para sempre. Se atuando era extremamente medíocre, compensava isso com outros talentos como a dança e o fato de ser exímio lutador de artes marciais (sim amigos, ele foi herói de filmes de ação).
Dizem que a vida é dura, eu porém vos digo, a vida é cruel, ela nos força a lutar e tentar construir vários "castelos" tão ou mais frágeis que os feito de cartas, e de repente ela some, e somos arrebatados, sem aviso, sem cerimônia e sem respeito para o vácuo eterno, ou pior, como o caso do ator, se esvai aos poucos, minando as nossas forças, as energias dos amigos, ora nos alimetando com vãs esperanças, ora decepando qualquer possibilidade de sorriso, enfim, é isso, ele morreu.
E foi impossível não me lembrar do ano de 1990, já se passaram 19 anos e lá estava no cinema Veneza (já fechado e que virou loja de eletrodoméstico) esperando ansiosamente o encontro marcado com uma belíssima amiga, para logo depois de sua chegada, assomar a porta do cinema meu "melhor amigo da escola" a quem eu havia traído. Explico, no dia anterior esse amigo segredou-me que era apaixonado há anos pela amiga referida acima e pediu-me de todas as formas que não revelasse pra ela o segredo. Eu não só revelei como arranjei o tal encontro na minha eterna função de cupido, até porque eu sabia que a tal amiga correspondia a paixão. Trêmulo, ele implorou-me que eu entrasse no cinema com eles, constragido, atendi seu chamado desde que eu ficasse longe...afinal de cupido para segura velas é baixar de nível.
Entrei sem saber o filme que estava em exibição, seu nome Ghost- O Outro Lado da Vida. E que grande e doce surpresa eu tive. Quem viu o filme que não se encantou com a doce e apaixonada Molly (Demi Moore) ou morreu de rir com as trapaças da quase "estreante" Whoopi Goldberg no papel da videnta charlatã. Quem não torceu para que o Sam (Patrick Swayze) salvasse sua ex namorada e finalmente, mesmo morto, tivesse coragem e oportunidade de dizer : I LOVE YOU?
E quem amigos, quem não se emocionou ao ouvir a tocante trilha sonora?
E é em nome daquele casal há tanto tempo perdido no tempo, em nome do jovem romântico solitário que naquele dia foi um mero cupido e em homenagem a todos que ainda são capazes de acreditar no "invisível" que resolvi escrever hoje, agradecendo especialmente ao Patrick, que foi violenta e monstruosamente arrancado da vida, mas com certeza entrou em milhões de mentes e em tantos corações. Abaixo, a letra da trilha sonora.
adios!
Oh my love, my darling Oh, meu amor, minha querida
I've hungered for your touch Eu tenho ânsia de seu toque 
A long lonely time Há um longo e solitário tempo
Time goes by so slowly O tempo passa tão devagar
and time can do so much E o tempo pode fazer tanto
Are you still mine? Você ainda é minha?
I need your love Eu preciso do teu amor
I need your love Eu preciso do teu amor
God speed your love to me Que Deus traga rápido o seu amor pra mim
Lonely rivers flow to the sea Rios solitários correm
To the sea Para o mar, para o mar
To the open arms of the sea Para os braços abertos mar
yeah Rios solitários suspiram
Lonely rivers sigh "Wait for me" "Espere por mim", Espere por mim
Wait for me Eu vou voltar para casa
I'll be coming home Espere por mim
Wait for me
Oh my love, my darling Oh, meu amor, minha querida
I've hungered, Eu anseio
Hungered for your touch Tenho fome de seu toque,
A long lonely time Há um longo e solitário tempo
And time goes by so slowly E o tempo passa tão devagar
And time can do so much E o tempo pode fazer muito
Are you still mine Você ainda é minha?
I need your love, I, Eu preciso do teu amor
I need your love Eu preciso do teu amor
God speed your love to me Que Deus traga rápido seu amor pra mim.



 

domingo, 13 de setembro de 2009

ALMAS GÊMEAS


(Cena belíssima extraída do filme Grandes Esperanças, onde um garoto é "amaldiçoado" com um amor desde a infância através de um inusitado e saboroso beijo)


          Ele acordara como sempre. Um salto. Estava ansioso para que o dia chegasse. Era Sábado. Ele poderia brincar o dia todo. Jogar vôlei. Era isso que mais queria fazer naquele dia.
Em pouco tempo ele já estava sob a janela do apartamento de seu amigo Alux chamando-o para sair. O próximo passo era chamar Meiriane, para que esta chamasse Paula, era o jeito. Que criatura odiosa era esta Paula, pensava nosso rapaz. Ah! O nome dele? Alex. Ele não suportava os modos superiores de Paula. Tanta altivez, vocabulário tão empolado para uma menina de 13 anos que fazia questão de quando não compreendida por algum amigo, de mandar-lhe eliminar a referida dúvida num dicionário de bolso que ela sempre trazia consigo, "para os iletrados". Uma menina cheia de não me toques, autoritária, queria liderar todas as brincadeiras, impor tudo.
Ô saco! Pensava Alex. Todos da turma a adulavam e faziam sua vontade. Exceto ele, é claro, jamais faria tal coisa, jamais se sujeitaria aos caprichos daquela pirralha. Ele mostraria pra ela quem é que manda quem era superior. Por isso, desde o dia que a conheceu, atacava-a sempre que possível. Aperfeiçoava seu vocabulário, que acreditava ele já ser ótimo, mas que agora queria maravilhoso, perfeito. Disputava com ela a liderança. Quando brincavam de sete corta, ela sempre era seu principal alvo. Provaria para ela quem deveria ser o líder ali.
Mesmo brigando quase todo dia, Paula e Alex estavam invariavelmente juntos. Mas sem trégua. Quantas indiretas ou alusões e remoques como prefeririam eles. Quantos testes intelectuais e de poder. Quantas farpas e verdadeiros mísseis eram lançados de cada lado.
A verdade é que Paula era uma morena bonita. Morena de verdade, africana, nascida em Luanda. Tinha grandes cabelos cacheados que chegavam ao ombro. E era incrivelmente culta para uma menina daquela idade. A mesma idade de Alex por sinal. Ele ao menos reconhecia nela uma rival a altura. Mas tinha certeza que iria esmagá-la.
Certa vez, ao perder uma "disputa de poder" para se definir qual a brincadeira da tarde, ele se sentiu o último dos homens, mortalmente ferido e apelou. Disse que estava rodeado de idiotas, molóides, que seguiam aquela bruxa. Ela respondeu com a calma gélida típica dela, que quando o adversário ataca fisicamente corrobora tão somente a sua pobreza de alma. Tais palavras despertaram nele uma cólera profunda que resultou nestas palavras ditas com desdém e escarninho:
— Humm! Miséria da alma. Todos os gnomos e doentes do corpo apelam para alma. Para o "espírito" quando em verdade tentam tão somente esquecer sua própria feiúra. Você se vangloria de sua "alma", pois sabes muito bem que tens face de bruxa. Sei que muita vez que te olhas no espelho tens ânsias de quebrá-lo ao contemplar este teu vil e dantesco semblante. Agora nega, nega que te odeias, que desprezas as tuas formas. Que busca na cultura a fuga para tua cara horrorosa? Nega?
Tais palavras foram ditas com tamanha força e desdém que pela primeira vez Paula fraquejou diante de seu "adversário". Faltarem-lhe palavras. Não conteve o choro. E ocorreu o inusitado, ela fugiu. Todos que assistiram a cena reprovavam Alex, mas não ousavam abrir a boca, apenas se foram deixando-o só. Temiam sua língua ferina. Ele sorria triunfante até olhar em volta e finalmente notar que estava só, cerrou a face e ficou a refletir se não fora duro demais com a menina. Ele sabia muito bem como ferir uma pessoa, ele sabia.
Depois de alguns dias de ausência. Ela reapareceu igual como antes. Só que desta vez mais altiva e exigente, mas ácida, mais feroz, principalmente para Alex. Todos os demais tremiam quando aquele casal se atracava naquele duelo de alusões, remoques, palavras duras e sem sentido para os demais. Alex acreditava nutrir verdadeiro ódio pela menina. Mas não passava um só dia sem que ele a visse.
Mais um Sábado. Mas desta vez diferente, bem distinto dos demais. Como de costume Alex fora na casa de seu amigo Alux, mas ele lá não estava. Nem ele nem ninguém. Parecia que todo mundo havia viajado naquele final de semana. Só lhe restou chamar Paula. Com certeza naquele dia se matariam. Pensou ele. Ela ao divisá-lo da janela, lançou-lhe um olhar contrariado. Mesmo assim saiu com a bola de vôlei na mão. E pela primeira vez, não portava o seu inseparável dicionário. As duas crianças brincaram com a bola até se cansarem. Já exaustos. Sentaram em silêncio um ao lado do outro. Ela se aproximou mais ainda. Ficaram muito perto. Ele sentia a coxa suada dela batendo na dele. Naquele momento sem saber por que, tremeu.
Foi ele quem rompeu o silêncio. Começou a falar da África, perguntou como ela viria a parar em Recife. Ela falou que todas estas viagens se davam em razão do trabalho do pai. Que já morara em Portugal, Espanha, Argentina e agora estava no Brasil. E que em breve, se mudaria de novo. Só não sabia para onde. Enquanto falava ela balançava as pernas e sorria muito. Ele não conseguia entender aquela cara. Aquela voz afetuosa, aquele lindo, meu deus, que belo sorriso, aquele balançar de pernas. Seu coração batia acelerado. Ele não entendia por que.
Teve a súbita vontade de pegar-lhe a mão. Suava. Mesmo nesta confusão de sensações, mesmo sem compreender, ele estava adorando aquele momento. Pegou a mão da "inimiga", no mesmo instante ele sentiu um forte tremor. O rosto sorridente da menina por um instante foi tomado de verdadeiro terror. Ambos ficaram mudos a se fitar. As mãos de ambos, entrelaçadas fortemente, trepidavam. Silêncio. Dir-se-ia que pararam de respirar. E as cabeças se aproximaram para um irresistível, fatal beijo, um beijo ardente, forte, mas estamos falando de duas crianças amigo; Portanto a expressão de toda essa erupção de sentimentos foi apenas o tocar dos lábios, um leve roçar de lábios que durou um segundo. Para logo ambos soltarem as mãos e baixarem ás frontes envergonhados da "fraqueza". O silêncio, agora angustiante imperou novamente. Foi ela desta vez que o rompeu:
— Alex, já notou que somos iguais? Já percebeu como agimos, vivemos e falamos da mesma forma, temos a mesma cultura. Temos o mesmo espírito indômito, a mesma sagacidade e acidez nos debates, semelhança no trato com as pessoas, até mesmo no se vestir? Temos também as mesmas fraquezas, provavelmente os mesmos medos e anseios. Alex somos...
— Almas gêmeas? De forma alguma, com certeza eu sou melhor...
Ela o interrompeu falando:
—Alex, você sabe muito bem que isso tudo é uma bobagem. Que no fundo mais admiramos uma ao outro do que qualquer outra coisa. Que fingimos nos odiar porque temos medo de nos entregar. Reconhecer que somos frágeis diante do outro. Que precisamos um do outro, porque juntos nos sentimos fortes e seguros.
Aquelas palavras saídas placidamente da boca de Paula deixaram Alex atordoado. Mas ele não se renderia. Não. Com certeza ela estava tentando manipulá-lo para depois zombar dele. Começou a soltar farpas. Tantas que o semblante de Paula outrora plácido começou a se mostrar perturbado até que ela pronunciou estas palavras:
— Não. Na verdade na forma errada de se expressar você tem razão. Nós nunca iremos dar certo mesmo. Nunca. Justamente por que temos este orgulho idiota que se sobrepõe a tudo. Mesmo a este sentimento puro que nutrimos um pelo outro e você se recusa a admitir. Este orgulho vem do medo. Esta máscara de intelectualóide não serve para esconder nossa suposta feiúra, e sim para no esconder, nos proteger do amor, de um dia ter que sentir a necessidade e ter outra pessoa ao nosso lado, e perdê-la. Somos parecidos demais e tão inteligentes, mas tão burros que romperíamos na primeira briga, no primeiro arrufo. E nenhum dos dois cederia. Jamais seremos mais do que "amigos" justamente porque somos parecidos demais.
Todas estas palavras foram ditas com uma profunda melancolia que o menino interpretava como o mais puro fingimento. Estava acabrunhado nosso menino. Quase, quase que caía na pérfida armadilha da menina, quase. Mas não era bobo.
Como vingança travou uma verdadeira guerra contra a Paula. Dentre outras ações conseguiu que todos os amigos dela a abandonassem envenenando-os contra ela. Ela merecia. Como pode uma menina querer brincar assim com os sentimentos de alguém. Graças a Deus que ele não sentia nada por ela. Se sentisse hein? Seria mais um bobo da corte.
Certa noite ficara muito confuso ao vê-la chorar sozinha num canto. Sua melhor amiga, a Patrícia, foi ter com ele. Pediu muito para que ele fizesse as pazes com a Paula. Ele se recusava. Dizia que ela era uma pérfida, uma louca. A outra negava, dizia que os dois poderiam fazer grandes coisas juntos se ele fosse um pouco inteligente. De nada adiantou. Mesmo ficando um pouco em dúvida quando viu sua "inimiga" aos prantos. Ele não cedeu.
Dias depois ele soube que ela se mudaria para Aracajú. Sem saber por que ele sentiu uma facada no peito. Um desânimo tomou conta dele. Não sabia por que, mas a partir do momento que tomou ciência da partida da menina ele estava mal. Muito mal mesmo. Ela se foi. Ele ainda estava sem compreender porque estava cada vez mais difícil dormir. Adoecera. Ficava vagando só. Não conseguia entender a origem de seu mal. Tudo durou uma semana. Até que Alux quem deu o diagnóstico óbvio: Você está assim porque sente falta da Paula. Ele sentiu um choque. Mas viu a verdade nas palavras do amigo. Duras verdades. Ele gostava de Paula, nunca reconhecera. E tudo que vivera com ela passou pela sua cabeça. Foi quando percebeu pasmo que ela também gostava dele.
Criou coragem e escreveu uma longa carta onde abriu seu coração. Ela respondeu da mesma forma. Foram mais de 50 cartas durante um ano. Inúmeras horas de telefone. Até que pouco antes dela vir ao Recife para visita, como não poderia deixar de ser eles brigaram por uma coisinha qualquer. E nenhum dos dois cedeu.
Quando ambos finalmente se encontraram por acaso houve apenas um olhar, um triste olhar e o silêncio, o terrível e odioso silêncio. E uma eternidade para curar as feridas e recordar do sonho.
A distancia não é medida pelos quilômetros dos infindáveis desertos, nem pela grande distancia que se terá que percorrer para atravessar os grandes oceanos, a verdadeira distância é forjada por nossos espíritos que conseguem que, mesmo ao lado outro dois seres sintam-se tão distantes como se o profundo abismo da morte os separassem.

Adriano Cabral

sábado, 5 de setembro de 2009

AMAR NOVAMENTE



Descobri que sou capaz de amar novamente.
Foi na madrugada enquanto dormia desperto, tive a necessidade de abrir os olhos para contemplar a escuridão do meu quarto.

Descobri que sou capaz de amar novamente porque um dia, somente um dia, deixei de acreditar no amor. Porque, tolo, achei que ele havia me feito sofrer, mas ao acordar naquela madrugada, percebi que jamais se sofre por amor, e sim por falta dele e por causa de ilusões, estas sim, são frágeis e nos tornam fracos, no entanto, estão fadadas a desaparecer.
Naquele instante saltei da cama e saí literalmente cego a andar pelos corredores até chegar ao quarto contíguo e sem acender a luz, encontrei meu violão.

Descobri que sou capaz de amar novamente quando eu retornei ao meu quarto e na mesma escuridão, entoei uma música, estava de olhos cerrados. A canção falava de esperança, de um sol que quase sempre nasce, de lutar mesmo quando tudo parece perdido. Outra canção falava de sonhos perdidos, quimeras vazias, mas que para mim foram tão reais que pareciam preencher um certo vazio que até então acompanhava meu coração. Não sei se algum vizinho acordou irritado com a canção, só sei que apenas as vozes minha e do meu violão imperavam na treva brilhante.
Descobri que sou capaz de amar novamente, quando no meio da penumbra, embalado pela música, recordei todos os meus entes queridos de ontem, hoje e até do amanhã. Foram tantos os rostos, amigos, parentes, paixões e amores, e cada face que me fizeram viver tantas e diversas sensações desde da ventura até o desespero, no entanto ao final, não pude deixar de ver em cada um deles um sorriso e o perdão.


Descobri que sou capaz de amar novamente quando vi na treva tudo desaparecer em silêncio, e ao sentir a iminência do fim, derramei lágrimas que lavaram todo meu orgulho e insensatez, toda minha inveja e minha ira, naquele exato momento voltei a ser criança.

Descobri que sou capaz de amar novamente quando ao findar a música, escutei aplausos, assovios e vivas que ecoaram no silêncio da noite. Quando mesmo na penumbra pude saber que lá estava alguém que merece ser amada. Alguém que nem sonha o quanto eu lutarei para vê-la feliz e sentir o seu repousante abraço mas fatalmente hei de conhecer.

Descobri que sou capaz de amar novamente, porque mesmo já tendo trilhado o caminho errado, ainda tenho coragem para amar e ser amado. Porque faço parte da raça humana que ainda tem  força para sonhar e ver a incrível riqueza deste invisível que tão poucos realmente vêem e vivem.

Descobri que sou capaz de amar novamente, quando tive a certeza que ainda posso pular de olhos fechados, e, sem medo... voar.

by Adriano Cabral