domingo, 8 de agosto de 2010

Carinho De Pai



      Embaixo da árvore Luís esperava. Era fim do dia e seu Juvenal despontava ao longe em seu cavalo a passos lentos, enquanto Duda e Juventino caminhavam atrás do pai. Luís, com suas perninhas curtas, saíu correndo e gritando que ele estava chegando. Ao ouvir os berros do irmão mais novo Miriam e Alice correram em direção à porta assim como dona Marilu. Um por um os meninos que estavam na casa pediam a benção de olhos baixo, o homem com ar grave respondia dando uma leve palmadinha em cada cabeça pequena, ao chegar no menor, ele esboçou um leve sorriso e disse: Quando vais ficar grande menino, preciso de mais braços no eito! O menino respondia que já era bem grandão e podia pegar uma foice com uma mão. Após o ritual seu Juvenal sentava algum tempo no alpendre em silêncio. Os filhos tinha ordem de Dona Marilu de nunca incomodarem o pai. Às vezes quando um dos meninos fazia alguma peraltice de relevo tinha que se submeter as duras penas aplicadas pelo pai. Mas se era raro Dona Marilu denunciar os meninos, menos ainda eram às vezes  que Juvenal usava a força do braço, só gravidade de sua voz metia medo suficiente para se pensar duas vezes na vida.
 
      Os anos foram se devorando e Luís trabalhou vários deles no eito acompanhando seu pai em seu silêncio. Às vezes a alegria era muita para Luís quando seu Juvenal permitia que seu filho voltasse pra casa montado em seu cavalo.  Até que  Luís alistou-se no exército e foi servir na capital. O pai ao olhar seu menino fardado, pronto pra partir, olhou-o profundamente e disse: Não é que você cresceu um pouquinho menino! E em seguida passou a mão levemente nos cabelos de seu filho. Era o gesto máximo de carinho que o sertanejo era capaz. Luís às vezes esperava mais algum sinal de ternura de seu pai especialmente neste dia, partiu, enquanto o solo duro e seco ficou úmido em seu caminho.
 
      Ele já estava sentindo o peso dos anos e o tempo seguia, as meninas casaram, os mais velhos tinham se ido para algum lugar do norte e de repente, lá no fundo a gente sempre finge que é repentino, a morte veio. Quando a notícia chegou Dona Marilu franziu o cenho, sentou-se no chão barrento e lá ficou com as mãos na cabeça, estática como se o que houvesse dentro dela agora fosse vazio.
 
      Seu corpo jazia no caixão. Muita gente chorava. As meninas agora mulheres com filhos, não conseguiam entender os desígnios da natureza e do bom Deus. Os irmãos mais velhos não tinha dinheiro para viagem. Dona Marilu falou que não ía perder tempo pra enterrar ninguém, repetia que tinha muito serviço pra fazer, contudo, na maior parte do tempo a pobre senhora nada fazia e a cada instante estacava com o olhar vazio.
 
      Antes do caixão fechar um senhor muito idoso, mas de andar firme, avançou decididamente para o ataúde, num gesto comunicou que deveriam esperar mais um pouco. Naquele momento todos olharam pra o velho e para o corpo. A mão firme passou levemente a mão na cabeça do defunto, nos cabelos, no rosto descorolado e em seguida o senhor idoso beijou a tez do morto dizendo baixinho:
 
- Você cresceu meu filho tornou-se um homem forte e bonito,  às vezes queria de novo você menino esperando meu retorno do eito, eu te amo! Fica com Deus Luís.
 
Dito isto duas lágrimas grossas caíram e o caixão foi fechado. O céu continuava a reinar um sol bonito.

 
By- Adriano Cabral

2 comentários:

  1. Esse texto, pra mim, tem gostinho de casa... Posso ver e sentir, nitidamente, cada pedacinho dele.

    A história parece com a do meu pai, lembra a relação do meu avô com ele, os anos de trabalho na roça, a subserviência da minha avó, a "reca de mininos". Meu pai é militar, saiu de casa também. Não morreu - minha avó ainda reza toda noite para que nada de ruim aconteça a ele. Meu avô ainda não conseguiu superar a educação carrancura, bruta, lampiônica e machista que recebera. Sempre que chego lá, naquela casinha ao fim de estrada de terra, digo o meu "Bença, vô!" e lhe dou um abraço e um beijo. Ele fica meio encabulado - o carinho ainda o paraliza. Mais uns momentos e ele vem até mim e oferece, a sua maneira, a retribuição do abraço - os bombons que ele compra na bodega do Odorico. É meneira dele de dizer que me ama.

    "Uma ressurreição. As cores da saúde voltariam a cara triste de Sinha Vitória. Os meninos se espojariam na terra fofa do chiqueiro das cabras. Chocalhos tilintariam pelos arredores.
    A catinga ficaria verde."
    (Vidas Secas - Graciliano Ramos)

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    1. Após esta rica leitura recordei de meu avó Alfredo tinha andar firme e determinante e sempre dizia a meu pai Abraão que não tinha medo da morte.

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